sábado, 9 de abril de 2011

Momento de desconcentração no Inatel Costa da Caparica.

Pelo Caminho....

Hoje decidi falar das pessoas que fazem parte da batalha, as que ficam pelo caminho, e as que deixam marcar profundas em nossas vidas.

Como sabem no hospital nunca ficamos só, no mesmo quarto são quatro camas, ou seja, é você e mais três, as vezes é felizmente e outras nem tanto. Tem sempre um que reclama da tv, da luz, tem os que por conta da doença perdem também a sanidade mental, e sinceramente acho que isso é muito triste, tem os que se não tomarem o banho primeiro ficam de mal o dia todo, os que não querem dormir, os que te perturbam mesmo dormindo, mas também tem os que são doces, os que mesmo com imensas dores se preocupam com você, os que te animam quando você chora, os que não te deixam desistir.

No primeiro internamento conheci muita gente, e sei que nunca as vou esquecer, a minha primeira experiência menos boa, foi a srª A. ela era muito caladinha, um rostinho meigo, mas com olhos triste, tinha uma filha muito amorosa, e foi a primeira morte que "presenciei", a cama dela era ao lado da minha, e é impressionante como de um dia para o outro vemos a pessoas definhar tão rapidamente, era uma senhora de idade avançada, e o coração dela comecou a bater bem devagarinho até que parou, acordei de madrugada quando ouvi o som do ziper fechando o saco em que a colocaram. Confesso que não é nada agradavel e que não nos acostumamos com essas perdas.

Para a cama da srª A. veio outra senhora, ai que compania agradavel, falante, animada, carequinha como todas nós, apesar de estar a lidar com uma recaída estava confiante, conversavamos muito, apesar da avançada idade a senhora tinha uma mente muito aberta e atualizada, muito ativa. Muitos enfermeiros quando souberam que ela estava lá novamente foram visitar, pois no seu internamento anterior ela tinha ficado em coma por 15 dias e saiu do hospital numa maca, voltou andando e falando normalmente e todos a abraçavam e diziam "esta Dona M.A é uma vencedora", acho que alguns a foram vêr mesmo por curiosidade. Ela algumas vezes me "impediu" de chorar, me deu forças e me animou, só por ela é que eu ficava até a meia noite e tal a vêr as novelas da TVI. Soube mais tarde que ela falecera, mas a guardo com muito carinho em meu coração.

Num dia ensolarado entra pelo meu quarto uma moça bem carequinha (como isso não fosse anormal) empurando seu boby( é aquele suporte do soro, os nossos tem rodinhas), com um mp3 toda animada a cantarolar, para na porta e diz: "vim conhecer quem me vai fazer compania nesta hospedagem", era a S. uma moça de 35 anos aproximadamente, com um filho pouco mais velho do que o meu, um marido carinhoso e que aparentava gostar muito dela, como eram de longe vinham aos domingos e passavam o dia todo lá. Mesmo nos piores dias a S. nunca estava mal disposta, era incrivel. Eu penso que não sou má paciente mas quase não saia do quarto, e ela não, passava o tempo andando de lá pra cá, falava com toda gente, cantarolava sem parar com seus fones do ouvido, tinha bom papo, era bonita, religiosa, membro ativo na comunidade aonde morava.

Para mim foi um dos piores momentos que passei, num dos últimos internamentos eu estava nas urgências do serviço de hematologia e lá não tem chuveiro, temos q tomar banho nos quartos de internamento, a auxiliar nos leva até lá, e quando entrei no quarto aonde estava a S. quase tive um treco, ela estava o dobro do tamanho (mas por estar inxada) somente de fraldas, com o oxigênio, toda manchada, olhou para mim e disse "olá Renata, tás boa?" eu disse que sim e perguntei como ela estava, ela me disse "estou ótima, logo isso passa".

Fui transferida para um quarto ao lado do dela, isso aconteceu numa terça e ela faleceu na noite de quinta para sexta, da minha cama eu ouvia os seus gemidos, e todas nós sabiamos o que estava para acontecer. Choramos, ficamos de luto.

Tocou-me por imensos motivos, mas acredito que me identifiquei muito com ela, por termos idades próximas, personalidades parecidas, filhos na mesma faixa etária, a doença era do mesmo tipo, ela era muito especial, todos sentimos muito a sua partida.

Tenho muitas outras histórias para contar, muitos outros personagens, guardo-os com carinho em meu coração.

Numa próxima oportunidade falo de outras histórias.